sábado, 27 de novembro de 2010

Necessidade.

"Mesmo para os descrentes há a pergunta duvidosa: e depois da morte? Mesmo para os descrentes há o instante de desespero: que Deus me ajude. Neste mesmo instante estou pedindo que Deus me ajude. Estou precisando. Precisando mais do que a força humana. E estou precisando de minha própria força. Sou forte mas também destrutiva. Autodestrutiva. E quem é autodestrutivo também destrói os outros. Estou ferindo muita gente. E Deus tem que vir a mim, já que eu não tenho ido a Ele. Venha, Deus, venha. Mesmo que eu não mereça, venha. Ou talvez os que menos merecem precisem mais. Só uma coisa a favor de mim eu posso dizer: nunca feri de propósito. E também me dói quando percebo que feri. Mas tantos defeitos tenho. Sou inquieta, ciumenta, áspera, desesperançosa. Embora amor dentro de mim eu tenha. Só que não sei usar amor: às vezes parecem farpas. Se tanto amor dentro de mim recebi e continuo inquieta e infeliz, é porque preciso que Deus venha.Venha antes que seja tarde demais."


Clarice Lispector

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Ela... confusa.



Ela expirou profundamente. Um genuíno e singelo sinal de cansaço. Mas dessa vez, não aquele cansaço que sentia toda manhã ao caminhar contra ao vento, quando sentia seu corpo sendo empurrado na direção contrária. Era um cansaço da alma, da mente, do coração.
Fechou os olhos, passou a mão pelos cabelos, seus dedos ficaram presos. Sua vida estava tão embolada quanto seu cabelo, pensou. Era necessário parar, desembaraçar tudo, ou cada vez que seus dedos passeassem pelos seus cabelos sentiria dor outra vez.
Expirou novamente. Não entendia porque sempre deixava tudo pra depois. Essa tendência natural humana à procrastinação a cansava. Aliás, o que não a cansava ultimamente? Procurou em sua mente de maneira superficial, e ainda assim fora difícil encontrar uma resposta satisfatória. Então era isso; se sentia exausta, embaraçada, procrastinada. De novo.
Percebeu então que ultimamente sua vida se tornara chata, rotineira. Tudo era tão (im) previsível que enojava. Agora feliz, porém logo triste... logo sozinha. E assim ia levando, se acostumando. Uma hora rindo, outra chorando, outra esperneando. Não se entendia. Era a bagunça em pessoa. Repleta de nós, tal como seu cabelo emaranhado, cada vez que algo tentava passar por ela, causava dor.
Talvez tivesse alguma tendência a afastar tudo que pudesse trazer dor, observou. Talvez fosse tão covarde ao ponto de fugir em vez de desfazer tanto nó em sua cabeça – literalmente ou não. Talvez acreditasse que para abandonar algo, também é necessário ter coragem.
Se confundiu. Submergiu. Dentro de toda sua confusão, dentro dela mesma.