Colocaram na nossa mente que os nossos pais são super-heróis, perfeitos, imunes aos defeitos e aos erros. Que eles estão sempre dispostos a te buscarem na escola, a te ajudarem no dever de casa e vão amar sua mãe incondicionalmente. O pai perfeito faz parte do pacote daquela família feliz do porta-retrato da estante.
É uma pena que tenham se preocupado tanto com os contos de fadas e tenham se esquecido da realidade. Da realidade dura, onde o pai tem que pôr o trabalho acima de tudo, do descanso, do lazer, até mesmo da felicidade, pra que a família tenha o almoço de domingo. É triste ver como os nossos pais tem de ser uma verdadeira fortaleza, não podem chorar, não podem sofrer, não podem recuar. Eles são homens, são de ferro, tem que aguentar a tudo e a todos. Tem que ter paciência para aguentar o chefe que já está com a vida ganha e não tem o menor pudor em pisar no subalterno. Já não bastasse passar o dia inteiro sob pressão, a volta pra casa ainda é dura, com a infraestrutura dos meios de transporte de um país que se diz subdesenvolvido, e na prática apresenta uma realidade digna de um país pobre, não só de investimentos mas também de compromisso político, mas isso é história para outro dia. Chegar em casa muitas vezes não é o fim do dia, mas sim o começo de mais uma jornada de trabalho. Ajudar a cuidar dos filhos, da casa, do cachorro, das contas a pagar e da esposa que, justo depois do dia mais estressante do ano, só sabe reclamar.
Pior ainda é pensar nos pais que, por suas razões, não podem estar todos os dias com os seus filhos, assim como o meu.
Por uma grande parte da minha vida eu pensei que o fato do meu pai ir para outra casa após o trabalho, e de outra mulher, que não é a minha mãe, dividir a cama e os eventos sociais com ele, o fazia menos pai do que antes. Com a separação deles, a primeira parte da minha vida que desmoronou foi a parte do pai ideal, herói, presente ali, do meu lado. Por algum tempo eu relutei, e foi através de muita terapia que eu finalmente entendi que o meu conceito de paternidade era extremamente distorcido.
De nada adiantava morar sob o mesmo teto se, pela noite, ele simplesmente jantasse, dormisse e mal falasse comigo. Não era gratificante mostrar aquela prova que eu tanto estudei, atingi o 10 e ele falar "não fez mais que a sua obrigação". Não era bom ter que me acustumar com um pai que viajava durante 6 dias da semana "por causa do trabalho". Não era suficiente morar com ele, ainda mais quando a infelicidade era constante.
Hoje eu percebo que ele foi muito mais herói ao ter coragem de sair de casa para me poupar de ver mais brigas, mais angústia e uma família destruída. Com a saudade, ele realmente valoriza um domingo ao meu lado. Ele não se incomoda de ter que ir me buscar no trabalho todos os dias, já que o engarrafamento vai nos dar muito tempo pra conversar.
Ele estar longe não faz dele menos pai. Pelo contrário. A nossa realidade tem funcionado bem melhor do que o conto de fadas que a sociedade faz de questão de pregar como o único modo de alcançar a felicidade absoluta.
Obrigada, pai. Obrigada por ter aberto mão de tantas coisas por mim, por ter tido coragem de escolher o caminho mais difícil e torná-lo mais proveitoso que o mais fácil. Obrigada por ser pai. Obrigada por ser o meu.